cover
Tocando Agora:

Brasileira vítima de exploração sexual em Mianmar pediu ajuda para jovem de SP resgatado de tráfico humano

Brasileira de Pernambuco procurou o jovem Phelipe Ferreira, de 26 anos, que foi resgatado em fevereiro deste ano após ser mantido refém por três meses por um...

Brasileira vítima de exploração sexual em Mianmar pediu ajuda para jovem de SP resgatado de tráfico humano
Brasileira vítima de exploração sexual em Mianmar pediu ajuda para jovem de SP resgatado de tráfico humano (Foto: Reprodução)

Brasileira de Pernambuco procurou o jovem Phelipe Ferreira, de 26 anos, que foi resgatado em fevereiro deste ano após ser mantido refém por três meses por uma máfia de golpes cibernéticos. Brasileira vítima de exploração sexual em Mianmar pediu ajuda para jovem de SP resgatado de tráfico humano Arquivo Pessoal A brasileira de 22 anos que foi resgatada depois de passar três meses como refém para exploração sexual em Mianmar, no Sudoeste da Ásia, chegou a pedir ajuda nas redes sociais para Phelipe Moura Ferreira, jovem de São Paulo que também foi vítima de tráfico internacional de pessoas no país asiático. A identidade dela não foi divulgada. O g1 mostrou o caso de Phelipe, de 26 anos, e de Luckas Viana dos Santos, de 31 anos. Os dois aceitaram promessas falsas de emprego em 2024 e acabaram sendo vítimas de tráfico humano em um complexo considerado uma "fábrica de golpes online" e onde foram escravizados para aplicar golpes por três meses. Os dois fugiram com centenas de imigrantes e foram resgatados com a ajuda da ONG internacional "The Exodus Road". No dia 19 de fevereiro, o g1 acompanhou a chegada dos paulistanos ao Brasil. Segundo Phelipe, no dia 6 de maio deste ano ele recebeu várias solicitações de mensagens de um perfil no Instagram. Era a brasileira pedindo socorro. "Ela entrou em contato comigo através do Instagram e disse que estava em Mianmar e que precisava de ajuda. Eu estava indo para uma palestra que eu fui convidado pela ONG The Exodus [que o ajudou a ser resgatado] e, assim que eu cheguei à palestra falei com a Cintia [presidente da ONG]. Ela pediu para eu avisar a pessoa que ela iria entrar em contato com ela através do Instagram". Nas mensagens, a jovem explicou para Phelipe que estava sendo explorada sexualmente e pediu ajuda por estar com medo de que a máfia a traficasse (veja prints acima). "Como o nosso caso teve uma grande repercussão, eu acho que ela sentiu confiança em me procurar. Eu fico grato por isso, por ter ajudado alguém a sair do inferno que eu sai. Foi um alívio enorme quando vi ela sendo resgatada, pois só eu sei como é o sentimento de ter a sua liberdade trancada entre muros e ameaça", afirmou Phelipe ao g1. Cintia Meirelles, diretora da ONG The Exodus Road, afirmou que, assim que entrou em contato com a brasileira no mês de maio, agiu para instruí-la a fazer a denúncia no site da Polícia Federal e a seguir o fluxo para repatriamento, com o preenchimento do formulário para relatar o ocorrido. A família da jovem também foi instruída pela ONG a procurar a Defensoria Pública da União para formalizar a carta de hipossuficiência para repatriamento da vítima. Ainda conforme Cintia, a ONG acionou o Itamaraty para que o Ministério das Relações Exteriores enviasse uma carta ao governo de Mianmar solicitando a liberação da vítima. Como não houve resposta, a The Exodus Road se articulou com outra organização que atua no Sudeste Asiático para negociar com os aliciadores da máfia chinesa a soltura da brasileira. "Atuamos em parceria com outra organização e o valor foi para pagar o transporte do local onde ela estava para um hotel próximo ao aeroporto de Mae Sot. A organização criminosa não imaginou que ela teria o valor", afirmou. Em nota, o Itamaraty informou que o Ministério das Relações Exteriores acompanhou, por intermédio das Embaixadas em Yangon e em Bangkok, o caso da brasileira, "em estreita coordenação com a Polícia Federal e com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, e em consonância com as diretrizes do Protocolo Operativo Padrão de Atendimento às Vítimas Brasileiras do Tráfico Internacional de Pessoas". "As Embaixadas mencionadas prestaram assistência consular à brasileira, cuja repatriação ocorreu em 08 de junho de 2025, com recursos da União. A atuação consular do Brasil pauta-se pela legislação internacional e nacional", ressaltou o órgão. Leia também Jovens escravizados em Mianmar eram obrigados a dar golpes pela internet em brasileiros Tráfico humano: veja a cronologia que levou dois brasileiros a serem escravizados por máfia em Mianmar, Sudeste Asiático VÍDEO: Brasileiros vítimas de tráfico humano em Mianmar chegam ao Brasil Uma operação da Polícia Federal, denominada Double Key, foi deflagrada depois da informação de que uma brasileira tinha sido vítima de tráfico de pessoas. A jovem foi encontrada após ter o nome incluído na lista de Difusão Azul da Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol). Ela retornou ao Brasil na madrugada de segunda-feira (9). Dois chineses foram presos no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, na sexta-feira (6), quando chegaram em um voo vindo do Camboja, suspeitos de envolvimento no caso da brasileira, informou a polícia ao g1 Pernambuco. A diretora da ONG, Cintia Meirelles, também afirma que outro brasileiro, do Rio de Janeiro, foi resgatado do local. "A rota do Sudeste Asiático não deixa de crescer", enfatiza. Segundo o delegado Márcio Tenório, mais brasileiros podem ter sido traficados Ameaças diárias de punição e 16 horas de trabalho Após ser resgatado, Phelipe Ferreira contou ao g1 sobre a rotina de escravidão em Mianmar. Segundo ele, havia um roteiro a ser seguido. "Nesse script, a gente perguntava ao cliente, no primeiro dia, informações como nome, idade, país onde morava, se era solteiro, casado, viúvo, com o que trabalhava e o salário. Já no quarto dia, a gente pedia uma ajuda. Falava que trabalhava numa plataforma online chamada Wish e, se ele ajudasse, ganharia uma comissão de 30 dólares", contou. Jovens escravizados em Mianmar eram obrigados a dar golpes pela internet em brasileiros No outro dia, eles voltavam a pedir ajuda. O cliente ganhava a comissão, só que, dessa vez, tinha que terminar algumas tarefas na plataforma e, para isso, precisava fazer recargas. Era aí que a gente começava a tirar o dinheiro do cliente. A primeira recarga era de 150 dólares, a segunda, 500 dólares... até completar o valor de 5 mil dólares. Por ser brasileiro, o jovem foi obrigado a aplicar golpes em outros brasileiros. Ele lembra que, sempre que terminava o turno, chorava no quarto. "Fiz a parte dos brasileiros e tentei enganar tanto mulher como homem, mas brasileiro é mais inteligente. Então, eles já sabiam que aquilo era golpe. Mas o pessoal de outros países, como Rússia, Ucrânia, países da América, era mais fácil de enganar". Brasileiro vítima de tráfico humano em Mianmar foi torturado Ele contou que uma cliente do Caribe chegou a sofrer golpe de um chinês no valor de 350 mil euros. Ela fez empréstimo e comprou uma casa, porque o golpista prometeu que viajaria para viver com ela. Depois, a máfia queria que o brasileiro tentasse extorquir mais dinheiro dela. "Eu tentava desviar o assunto com ela, mas meu antigo líder falava: 'Não, a gente vai ter que dar golpe, ela é rica'. Eu tentava procurar gente mais pobre para não dar certo o golpe, mas aí eu poderia ser punido. Era horrível", contou. Phelipe Ferreira conta que a rotina era de ameaças Reprodução Segundo Phelipe, ele e outros imigrantes trabalhavam, em média, 16 horas por dia aplicando golpes. "Às vezes, a gente trabalhava 22 horas por dia. Líderes de equipe, todos chineses, nos monitoravam a cada 10 minutos. Se não cumprisse aquela meta, no final do mês, eu ia receber a punição. A punição era eletrochoque, espancamento ou squat down, que é fazer agachamento. Recebi punição três vezes", afirmou. O brasileiro não chegou ser eletrocutado nem espancado, mas recebeu três vezes a punição de agachamento. Tive que fazer, na primeira vez, 100 agachamentos em cima de uma plataforma que tinha uma espécie de prego na parte de cima. Na segunda punição, foram 300 vezes e, na terceira punição, foram 500 agachamentos. Depois, ele mal conseguia andar: "A minha perna travou, mas, mesmo assim, eu tinha que trabalhar". Phelipe viu outros reféns sofrendo agressões e pensou que uma hora seria morto. No quarto dele, havia um homem de outra nacionalidade que tentou escapar sozinho e, ao ser pego, foi espancado durante 20 dias, levou eletrochoque e foi preso. Segundo ele, o homem depois ficou preso à cama de ferro com os pés amarrados. "Eu pensava: 'Vão matar gente'. Meu maior medo era levar choque. Porque eu sei que isso pode matar a pessoa. O meu maior medo era esse", ressaltou. Amizade com outro brasileiro Luckas e Phelipe ficaram mais de 3 meses como vítimas de tráfico humano Reprodução/Fantástico Dias após chegar no local, Phelipe soube que havia outro brasileiro ali, mas que estava preso. "Fui saber do Luckas três dias depois que cheguei. (...) Me falaram que ele não queria trabalhar e que o prenderam. No mesmo dia, eu estava indo para o meu dormitório, errei a porta e vi o Luckas lá amarrado com as duas mãos em um quarto todo escuro", disse. Apesar de proibidos de se comunicarem por serem da mesma nacionalidade, Luckas e Phelipe se aproximaram e planejaram de fugir juntos. A fuga A fuga foi combinada pelos reféns, que conseguiram avisar parentes e ativistas sem que fossem descobertos pelos mafiosos. Após fugirem, eles foram detidos por agentes do DKBA (Exército Democrático Karen Budista) e levados a um centro de detenção. Três dias depois, foram transferidos para a Tailândia, onde aguardaram a embaixada brasileira. "A gente planejou a fuga três vezes. A primeira seria no dia 1º de janeiro, quando deram uma folga pra gente. A segunda, a gente tentou no Ano Novo chinês, em 28 de janeiro, só que ficamos sabendo que teriam mais de 500 guardas no rio. Então, planejamos para o dia 8", disse Phelipe. KK Park, a fábrica de golpes que escravizava brasileiros Reprodução Durante a fuga, um guarda veio atrás dele com um facão e mandou que voltasse. Ele e todos os demais foram levados para um quarto, onde ficaram por um dia. "O meu antigo chefe entrou no quarto com o meu antigo líder e espancou a gente. Nesse momento, eu já não tinha mais esperança. Mas, depois de um dia lá, a tribo Karen entrou e resgatou a gente. Nesse momento, chorei tanto, mas tanto", disse. Futuro Agora, Phelipe só quer esquecer o que viveu. "Ver pessoas sendo espancadas, levando choque, ver o Lucas ser espancado e não poder fazer nada. Aquilo me machucava bastante. Sempre ia para o meu quarto chorar, porque não aguentava. Agora, quero descansar, terminar minha faculdade e fazer tratamento psicológico para esquecer", disse. O jovem alerta ainda sobre os cuidados necessários para que outras pessoas não caiam em armadilhas e virem vítimas de tráfico humano. "Vim para cá com um sonho, que foi destruído. O alerta que tenho para dar é sempre procurar saber mais sobre a empresa que você vai trabalhar e se é realmente legalizada", diz. Cronologia Abaixo, veja uma cronologia do caso de Phelipe e Lukas: Outubro de 2024 Brasileiros reféns de criminosos cibernéticos não conseguem voltar ao Brasil A mãe de Luckas conta que o filho recebeu uma proposta para trabalhar em um cassino nas Filipinas no início de 2024. Após alguns meses no cassino, o estabelecimento fechou e, como Luckas não tinha dinheiro para voltar ao Brasil, procurou outras oportunidades pela região. Pelo Telegram, ele recebeu um convite para trabalhar na área da tecnologia em Mae Sot, cidade tailandesa na fronteira com Mianmar. A viagem foi marcada para 7 de outubro. Luckas, no entanto, acabou sendo levado por mafiosos para KK Park, em Mianmar, e passou a ser escravizado. Novembro de 2024 Phelipe é feito refém em novembro de 2024. O pai dele, Antônio Ferreira, conta que o filho já havia trabalhado em 2023 em outros países e, em 2024, de volta ao Brasil, teve uma proposta de emprego no Uruguai. Decidiu sair novamente do país para trabalhar fora. No Uruguai, recebeu pelo Telegram uma proposta de emprego na área da tecnologia na Tailândia. Ao chegar, um motorista o buscou no hotel e o levou para Mianmar, onde se tornou refém com outros imigrantes. O local é o mesmo onde Luckas já estava. Os dois, até então, não se conheciam. Jovens brasileiros conseguem fugir de rede de tráfico de pessoas E Dezembro de 2024 Phelipe ficou semanas sem dar notícia, até conseguir se comunicar escondido com a família. O pai procurou a polícia, mas foi orientado a falar com a Embaixada do Brasil Mianmar. Luckas também conseguiu se comunicar com a família. A mãe dele passa a divulgar o caso nas redes sociais pedindo ajuda. As duas famílias, então, começam a ser assistidas pela ONG The Exodus Road", organização civil internacional de combate ao tráfico de pessoas. 15 de janeiro de 2025 Em 15 de janeiro, há uma reunião entre integrantes da ONG e representantes do governo de Mianmar e da Tailândia para a liberação de 371 vítimas de tráfico de pessoas, incluindo os dois brasileiros. 8 de fevereiro de 2025 Phelipe avisa o pai que tentaria a fuga no dia 8 de fevereiro junto com outros imigrantes. Nas mensagens, às quais o g1 teve acesso, ele conta que ia cruzar um rio com outras 85 pessoas e correr por dois quilômetros. Phelipe pede orações e ainda se despediu caso algo acontecesse com ele. Luckas também avisa a família. E, na sequência, ativistas são informados sobre a fuga e já se mobilizam em relação às documentações que comprovassem que os dois eram vítimas de tráfico humano. Prints mostram conversa de brasileiro vítima de tráfico humano com o pai antes de fugir Arquivo Pessoal 9 de fevereiro de 2025 Phelipe e Luckas conseguem fugir ao lado de centenas de imigrantes. Eles acabam detidos por um grupo rebelde chamado DKBA (Exército Democrático Karen Budista), que os encaminham a um centro de detenção local após negociações com a ONG Exodus Road. 12 de fevereiro de 2025 Phelipe, Luckas e outros imigrantes são transferidos para um centro de detenção em Mae Sot, na Tailândia, onde são feitos procedimentos para comprovar que são realmente vítimas de tráfico humano. Brasileiros vítimas de tráfico humano em Mianmar já estão na Tailândia 13 de fevereiro de 2025 Em uma videochamada, o pai de Phelipe vê as marcas das agressões que ele sofreu. "Ele ligou para mim e mostrou o machucado dele. Está com perna toda vermelha, braço todo vermelho, de tanto choque e paulada que levava lá", afirmou Antônio Carlos Ferreira. As famílias dos dois são avisadas que dois dias depois a embaixada do Brasil iria retirá-los da base militar em Mae Sot para levá-los a Bangkok. 15 de fevereiro de 2025 A embaixada brasileira consegue levar os brasileiros para Bangkok, onde ficam em um hotel. Brasileiros vítimas de tráfico humano são entregues ao governo tailandês O que diz o Itamaraty Em nota divulgada no dia 11 de fevereiro, o Itamaraty afirmou que tomou conhecimento da liberação dos dois brasileiros na fronteira entre Myanmar e Tailândia. Disse ainda que vinha solicitando os esforços das autoridades competentes, desde outubro do ano passado, para a liberação dele e que o setor consular manteve contato com as famílias. "Em um esforço de conscientização de brasileiros que buscam oportunidades de emprego no exterior, o Itamaraty ressaltou que tem ativa participação no IV Plano Nacional de Combate ao Tráfico de Pessoas, no âmbito do qual produziu guias on-line sobre tráfico de pessoas e sobre os perigos específicos das ofertas de emprego no Sudeste Asiático", afirmou em nota. Segundo o Ministério da Relações Exteriores, o Portal Consular do Itamaraty alerta sobre o aumento do número de caso de recrutamento de brasileiros para trabalho em plataformas digitais de apostas, na Ásia, em condições migratórias e laborais precárias.