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A foto de brasileira que virou centro de acusação de fraude eleitoral na Índia

Foto de Larissa Nery apareceu em uma entrevista coletiva do político de oposição da Índia Rahul Gandhi, na qual ele faz denúncias de fraude eleitoral. Part...

A foto de brasileira que virou centro de acusação de fraude eleitoral na Índia
A foto de brasileira que virou centro de acusação de fraude eleitoral na Índia (Foto: Reprodução)

Foto de Larissa Nery apareceu em uma entrevista coletiva do político de oposição da Índia Rahul Gandhi, na qual ele faz denúncias de fraude eleitoral. Partido do Congresso da Índia via BBC Ao sair do trabalho para almoçar em Belo Horizonte na quarta-feira (5/11), a cabeleireira Larissa Nery, de 29 anos, descobriu que tinha virado uma espécie de celebridade na Índia, país que ela nunca visitou. Em poucas horas, sua foto estava estampada na capa de diversos sites de notícias indianos. Notificações e marcações em todas as suas redes sociais com um vídeo em que ela aparecia em um telão começaram a surgir sem parar no seu celular. ✅ Siga o canal de notícias internacionais do g1 no WhatsApp "Pensei que fosse alguma brincadeira com IA [inteligência artificial], pessoas me zoando", disse ela à BBC News Brasil. A imagem, porém, não tinha sido criada por inteligência artificial. A foto de Larissa está no centro de uma denúncia política na Índia — em que a oposição acusa o partido do primeiro-ministro Narendra Modi (o BJP) e a Comissão Eleitoral de cometerem fraude eleitoral nas eleições do ano passado no Estado de Haryana. O BJP e a Comissão Eleitoral negam as acusações. Veja os vídeos que estão em alta no g1 Nesta semana, o líder da oposição na Índia, Rahul Gandhi, exibiu a foto de Larissa em uma entrevista coletiva que teve ampla repercussão no país. Gandhi vem fazendo uma série de acusações contra a Comissão Eleitoral indiana desde o início de agosto. Na entrevista coletiva, ele afirmou que sua equipe analisou os dados da lista de eleitores da Comissão Eleitoral e levantou que, dos aproximadamente 20 milhões de eleitores, 2,5 milhões teriam irregularidades — incluindo registros duplicados, múltiplos votos pelos mesmos eleitores e endereços inválidos. Ele atribui a derrota de seu partido nas eleições a essa suposta manipulação da lista de eleitores. Político de oposição mostrou registros de 22 eleitores indianos que supostamente continham a mesma foto, da cabeleireira brasileira Larissa Nery. Partido do Congresso da Índia via BBC Para comprovar suas alegações, ele exibiu vários slides em um telão. Um dos slides mostrava uma compilação de 22 eleitores com nomes e endereços diferentes, mas todos contendo a mesma foto: da cabeleireira brasileira Larissa Nery. (Veja na imagem acima) "Quem é essa senhora? Quantos anos ela tem? Ela votou 22 vezes em Haryana", disse Gandhi. "Uma única foto de banco de imagens de uma mulher, tirada pelo fotógrafo brasileiro Matheus Ferrero, foi usada repetidamente em várias inscrições de eleitores sob nomes diferentes." Enxurrada de mensagens e chefe incomodado No Brasil, isso deu início a uma enxurrada de mensagens para a cabeleireira. "As pessoas começaram a me marcar, algumas a me chamar no direct do Instagram (área de mensagens). Eu falei: gente, que loucura é essa? Estão me confundindo com alguém. Mas aí pesquisei no Google e percebi que não era pegadinha", contou Nery à BBC News Brasil. Larissa Nery disse à BBC News Brasil que recebeu uma enxurrada de mensagens e notificações. BBC Ela precisou recorrer ao Google Tradutor para entender as inúmeras mensagens e menções que recebia. Quando compreendeu o que estava acontecendo, sentiu medo. "Parece algo com uma grande dimensão fora do Brasil. Não sei se era perigoso para mim ou não. Não sei se falar sobre o assunto pode prejudicar alguém lá, não sei quem está certo ou errado, porque não conheço os partidos. Para ser sincera eu não fico por dentro das eleições nem no Brasil, quem dirá fora." A cabeleireira trabalha em um salão na região de Belo Horizonte e até o local de trabalho acabou envolvido na história. "Hoje não vim de manhã, só à tarde. Pela quantidade de mensagens, não conseguia ver as das minhas clientes. Muito jornalista ligando." A enxurrada de contatos incomodou até seu chefe, ela conta. "Tive que tirar o nome do salão do meu perfil porque estavam importunando o meu trabalho e meu chefe chamou atenção. Parece algo bobo, muita gente leva na brincadeira, mas está atrapalhando profissionalmente", disse. 'Tomem cuidado. Olhem onde fui parar' Imagem original de Larissa Nery foi tirada pelo amigo e fotógrafo Matheus Ferrero em 2017 para criar um portfolio profissional. Reprodução/redes sociais via BBC A história da foto original de Larissa começa em 2017, quando seu amigo, o publicitário Matheus Ferrero, hoje com 33 anos, queria começar a atuar profissionalmente na fotografia e a convidou para um ensaio. Ela não era modelo e chegou a recusar o convite, mas acabou aceitando. As fotos foram feitas em Belo Horizonte. O ensaio agradou aos dois e Matheus decidiu enviar uma das imagens para dois sites de fotografia. Ele afirmou à BBC que nunca recebeu pagamento e que buscava apenas ganhar visibilidade e ter seu nome associado ao trabalho. "Bombou muito. Teve mais de 57 milhões de visualizações. Cheguei a ficar em segundo lugar como melhor fotógrafo global dentro da plataforma. Mas chegou um momento em que parou de fazer sentido postar, porque não ganhava dinheiro." A BBC News Brasil verificou uma série de evidências de que Matheus é o autor da imagem que virou peça central da crise política na Índia. Ele enviou à reportagem outros ângulos do mesmo retrato, feitos no mesmo dia, além de gravações da tela do site onde a fotografia viralizou, que já ultrapassa 50 milhões de visualizações. A foto original também foi publicada por Matheus e por Larissa, em 2017, em perfis privados no Facebook, onde foi comentada por amigos. A BBC encontrou esta mesma foto de Larissa sendo usada até em anúncios no site Mercado Livre e hospedada em outros bancos de imagem. Com a repercussão recente, Matheus se assustou, removeu todo o material da internet e bloqueou as próprias redes sociais. "Apaguei por receio, já que a foto foi usada de forma indevida. Não é algo que me representa mais. E fiquei com medo de usarem fotos de outras pessoas que fotografei. Me senti invadido. Do nada aparecem pessoas de lugares aleatórios. Fiquei pensando se eu tinha feito algo errado, mas não fiz." Ele hoje critica plataformas de hospedagem de fotos que, segundo ele, não protegeram nem o trabalho autoral nem a modelo contra usos indevidos. "Acho importante deixar clara a minha revolta. Isso pode ajudar outros fotógrafos independentes." Matheus afirma que nunca esteve na Índia e que o mais próximo disso foi ter assistido à novela Caminho das Índias, da Rede Globo. "Não faz parte do meu dia a dia acompanhar notícias de lá." Já Larissa diz que a experiência a fez refletir sobre os riscos de publicar imagens pessoais online. "Tomem cuidado com as fotos que vocês postam. A gente é a primeira geração que está lidando com isso. Fiz uma foto em 2017, jovem, no muro da frente da minha casa. Achei que nunca ia dar em nada. E olha onde fui parar. Minha cara está nos telões da Índia, do outro lado do mundo."